O TEATRO DA MORALIZAÇÃO

26/05/2009 23:24

O presidente do Senado, José Sarney, convocou a imprensa na semana passada para anunciar com orgulho os resultados de um estudo feito para extirpar a burocracia da Casa as aberrações que vieram a público nos últimos meses - coisas como a existência de 181 diretores, ou funcionários que são donos de mansões, ou verbas que bancam toda sorte de despesa pessoal dos senadores... O estudo foi encomendado à conceituada Fundação Getúlio Vargas, que dispõe de 35 dias e 250.000 reais para apresentar uma proposta de limpeza do Senado. Em 1995, a mesma FGV recebeu a mesma tarefa do mesmo senador José Sarney - que, talvez por uma coincidência cósmica, era presidente do Senado na ocasião. O noticiário recente demonstra que essa velha parceria não deu muito certo. O ato da semana passada seria uma coletiva, mas, assim que Sarney proclamou as primeiras palavras moralizadoras, descortinou-se um teatrinho de má qualidade, cuja trama é tão surrada quanto à encenada há catorze anos. Sarney pôs-se a arengar: “Não sou daqueles que gostam de soltar fogos de artifício. Não vamos fazer espetáculo, mas é uma reforma de profundidade. Vamos cortar 40% da estrutura da Casa. No ato seguinte, um diretor da FGV assegurou que o Senado funcionará perfeitamente com apenas um terço os funcionários que tem hoje. Não há força no universo, nem mesmo José Sarney, que consiga demitir dois terços do Senado.

A demagogia do discurso ficou evidente quando os atores admitiram que os superburocratas do Senado podem até vir a perder o título nobiliárquico de “diretor”, mas manterão os salários e as gratificações. Na verdade, se acatada, a proposta da FGV resultaria numa economia de apenas 650 000 reais mensais - um trocado se comparado ao orçamento anual do Senado de 2,7 milhões de reais. “A redução de despesa não é significativa”, concluiu um dos doutores da FGV, num raciocínio que impressionou. O papalório consiste de um amontoado de intenções vagas. Há nele 121 páginas, muitas palavras difíceis e poucas propostas exeqüíveis. Entre “macrofluxos” e “departamentalizações”, a palavra “transparência”, que é exatamente tudo o que o Senado mais precisa neste momento, aparece uma mísera vez - e somente de modo genérico, vago. Os doutores da FGV. No entanto, deixaram claro que não puderam ir a campo e que dispuserem de um “tempo exíguo” para preparar o relatório. Quando as perguntas dos jornalistas começaram a se multiplicar, Sarney percebeu que a peça não agradava - e saiu de fininho.

 

Por Diego Escosteguy

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